Incontroverso que o direito empresarial se trata de matéria de direito privado dentro da legislação brasileira, contudo, em sua essência também se encontram raízes do direito público quando analisamos a empresa como um ente que deve cumprir com funções sociais. Dentro deste contexto, as práticas ESG/ASG e sustentabilidade tem sido cada vez mais apresentadas pelas empresas, eis que a aplicação da Agenda ESG está intrinsecamente ligada a garantia dos direitos essenciais.
Para que as práticas de sustentabilidade sejam corretamente aplicadas é necessário identificar as fragilidades, criar meios para mitigar riscos e garantir o desenvolvimento empresarial assegurando práticas sustentáveis. Hoje, a identificação e mitigação do passivo que pode ser gerado em razão do descumprimento de tais práticas pode ser realizado com o auxílio da inteligência artificial e artifícios de compliance para mitigação de riscos e passivos trabalhistas que podem surgir em pequenas situações cotidianas e que, sem a devida atenção, podem gerar grandes passivos.
Outrossim, as práticas sustentáveis são tópicos relevantes quando se fala em crescimento empresarial, investimentos e interação entre stakeholders. Neste compasso, é fato incontroverso que os passivos trabalhistas são os mais temidos dentro das empresas e em transações empresariais como fusões e aquisições.
No ano de 2014 a ONU publicou o relatório “Who care wins” e, a partir de então, balizou os princípios da agenda ESG para que o termo se estabilizasse tendo como pilares básicos os fatores ambientais, sociais e governança, afastando o conceito limitante de que a sustentabilidade se restringe a questões ambientais.
No que tange ao aspecto social e responsabilidade empresarial, o ‘S’ do ESG traz em seu bojo a governança corporativa, garantia de direitos básicos, códigos de conduta, e práticas complementares que tem por fim garantir o crescimento empresarial sustentável, ou seja, mitigando os riscos em todas as áreas.
Dentro do contexto do desenvolvimento social, a pauta de saúde mental tem ganhado especial posição, eis que a empresa que cuida de seus colaborados e que implementa políticas de pertencimento, engajamento e preocupação com a saúde mental, traz consigo o crescimento em geral, posto que sem o sentimento de pertencimento e cuidado com saúde mental não há engajamento tampouco produtividade.
Vê-se, portanto, que dentro do pilar Social, o ‘S’ do ESG, a preocupação com saúde mental é essencial para garantir o desenvolvimento empresarial de forma correta, sustentável e com garantia dos direitos sociais. Isto porque, a cadeia produtiva sem a base de saúde mental interfere diretamente na produtividade que por sua vez, interfere no desempenho financeiro da empresa.
Em especial após o período da pandemia do COVID-19, a pauta de saúde mental no trabalho se transformou em tópico altamente relevante e um dos fatores mais levados em consideração nas entrevistas, conforme demonstrado em um estudo publicado pela Life Works Mental Helth Index.
Quando falamos em boas práticas para a saúde mental não falamos apenas de garantias e orientações de trabalho, mas em ações e iniciativas de diversidade e equidade que tenham por condão garantir que os funcionários tenham qualidade de vida, sendo o trabalho parte integrante e não “esgotante” em sua vida. Dados publicados pelo INSS – Instituto Nacional da Seguridade Social – demonstram que no ano de 2024 foram solicitados 472 mil afastamentos por questões de saúde mental como ansiedade, depressão e burnout.1
Desta maneira, a criação de práticas sustentáveis e embasadas nas análises do contexto empresarial que sejam capazes de reduzir os afastamentos por questões de saúde mental refletem diretamente na mitigação do passivo trabalhista.
Dentro do pilar social, as práticas que podem ser incorporadas pelas empresas podem incluir a promoção do clima e estrutura organizacional, disponibilização de programas internos de saúde mental, ambientes preparados exclusivamente para o descanso em períodos de intervalo; treinamentos e monitoramento de possíveis casos de saúde mental, garantia do ambiente de trabalho saudável no que tange às relações interpessoais.
Um exemplo de práticas sustentáveis nas relações laborais que se pode analisar é a empresa de beleza e cosméticos Natura&Co que desenvolveu programas
internos para seus funcionários chamado SerenaMente, programa de saúde mental que acompanha os funcionários e oferece suporte psicológico.
Como orientação com força de Lei, a Noma Regulamentadora 1 – NR1 foi alvo de alterações em seu conteúdo no ano de 2024 para abranger as questões de saúde mental, tendo sido incluídas recomendações e estratégias para redução dos passivos trabalhistas, tais como: melhora na comunicação top-down/ bottom-up; disponibilização de suporte psicológico aos funcionários, incentivo ao equilíbrio da vida profissional e pessoal; promoção de um ambiente de trabalho harmonioso. Neste contexto, o capítulo 1.5 da Norma trouxe as seguintes alterações:
1.5.3.1.4 O gerenciamento de riscos ocupacionais deve abranger os riscos que decorrem dos agentes físicos, químicos, biológicos, riscos de acidentes e riscos relacionados aos fatores ergonômicos, incluindo os fatores de risco psicossociais relacionados ao trabalho.
Nos termos da NR1, o chamado risco psicossocial se refere às questões e situações que podem levar ao abalo psicológico e afetar o bem-estar dos funcionários, ainda que fora do ambiente laboral, como a pressão por resultados, trabalho excessivo, ambiente hostil, falta de apoio, falta de reconhecimento e desvalorização, constantes mudanças organizacionais que geram insegurança. Entre outras questões.
Desta maneira, conclui-se que para que seja possível mitigar os riscos trabalhistas que tenham por fundamento questões de saúde mental é necessário que a empresa realize um estudo prévio de suas fragilidades, e que identifique na legislação a qual norma tais fatos se enquadram. Com tais informações, a criação de cartas de orientação, treinamentos, acompanhamentos e políticas que podem auxiliar na redução dos danos que atingem a saúde mental são de grande valia.
Larissa Almeida Rodrigues – Advogada graduada pela Universidade Presbiteriana Mackenzie (2018), com especialização em Direito Empresarial pela FGVLAW (2022) e pós-graduação em Direito Internacional. Atuação com foco em Direito Empresarial e do Trabalho. OAB/SP 427.280.