CívelA NATUREZA JURÍDICA DA PESSOA JURÍDICA EM COMPRAS B2B E A APLICABILIDADE DO ART. 49 DO CDC

7 de agosto de 2025
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O presente artigo tem como objetivo analisar a aplicabilidade do artigo 49 do Código de Defesa do Consumidor (CDC) em operações comerciais realizadas entre empresas, notadamente no âmbito das plataformas B2B (business-to-business, vendas entre empresas). Conclui-se que as transações nesse ambiente podem ser classificadas em duas naturezas jurídicas distintas: de consumo e de fornecimento.

Nesse contexto, ao adquirir bens ou serviços, a definição da legislação aplicável, a princípio, dependerá da finalidade dessa aquisição, sendo que, na hipótese de consumo, aplica-se o CDC, e, na hipótese de fornecimento, o Código Civil. Diante da necessidade de maior segurança jurídica em tais operações, impõe-se responder à seguinte indagação: uma pessoa jurídica pode, fundamentada no artigo 49 do CDC, desistir da compra de grande volume realizada em um canal B2B?

A relação entre o CDC e a pessoa jurídica no canal B2b: é possível caracterizar o comprador como como consumidor?

O artigo 2º do Código de Defesa do Consumidor define que “consumidor é toda pessoa física ou jurídica que adquire ou utiliza produto ou serviço como destinatário final”. Essa definição, de cunho objetivo, fundamenta a chamada teoria finalista, segundo a qual o consumidor é caracterizado como o destinatário final fático e econômico do bem adquirido, aquele que retira o bem de circulação. Entretanto, o Superior Tribunal de Justiça (STJ), de modo a adequar a interpretação do conceito de consumidor às realidades das relações comerciais, consolidou a teoria finalista mitigada, que flexibiliza a aplicação do CDC sempre que houver comprovação de vulnerabilidade técnica, econômica ou jurídica do adquirente.

Essas vulnerabilidades, que servem como critério para a relativização do conceito de consumidor, são, em síntese, assim definidas:

  • Vulnerabilidade técnica: Refere-se à incapacidade do adquirente em compreender as especificidades técnicas e científicas do bem ou serviço negociado, em comparação com o fornecedor.
  • Vulnerabilidade econômica: Caracteriza-se pela disparidade de capacidade financeira entre as partes contratantes, colocando a adquirente em desvantagem nas relações contratuais.
  • Vulnerabilidade jurídica: Traduz-se na dificuldade do adquirente em compreender os aspectos legais inerentes ao contrato, em face da maior expertise jurídica ostentada pelo fornecedor, que, frequentemente, dispõe de consultorias especializadas e suporte técnico-jurídico contínuo.

Portanto, a aplicação do CDC em uma relação entre pessoas jurídicas, na interpretação do STJ, dependerá da análise do caso concreto. É necessário identificar a existência de vulnerabilidade que desiguale as partes, conferindo à compradora o status de consumidora.

Evolução da jurisprudência do STJ: Da teoria finalista à mitigação

As relações empresariais vêm experimentando mudanças substanciais ao longo dos anos, o que resultou em alterações no entendimento jurídico acerca do conceito de consumidor. O STJ, com base no princípio da vulnerabilidade previsto no art. 4º, I, do CDC, entende que as disposições consumeristas podem ser aplicadas às transações B2B sempre que houver comprovação de vulnerabilidade na relação jurídica estabelecida entre fornecedor e comprador, ainda que o bem não tenha sido adquirido com destinação final no sentido estrito.

Ademais, a Corte tem reiteradamente decidido que o artigo 49 do CDC, que prevê o direito de arrependimento em contratações realizadas fora do estabelecimento comercial, não é automaticamente aplicável às operações envolvendo pessoas jurídicas, devendo ser constatado um desequilíbrio entre as partes. Nesse sentido, destaca-se o seguinte trecho de julgado:

“Mesmo nas relações entre pessoas jurídicas, se da análise da hipótese concreta decorrer inegável vulnerabilidade da pessoa jurídica consumidora em face da fornecedora, deve-se aplicar o CDC na busca do equilíbrio entre as partes. Ao consagrar o critério finalista para interpretação do conceito de consumidor, a jurisprudência do STJ reconhece a necessidade de abrandar o rigor do critério subjetivo para atender situações específicas.” (REsp nº 476.428/SC)

Portanto, o STJ admite, de forma excepcional, a mitigação do critério de destinação final no caso de relações comerciais desequilibradas, priorizando a vulnerabilidade como elemento determinante na caracterização da relação de consumo.

Destinação final e intermediação produtiva

Apesar do reconhecimento da possibilidade de flexibilização do conceito de consumidor para incluir determinadas pessoas jurídicas, a interpretação majoritária estabelece que a relação de consumo exige não apenas que o objeto da aquisição seja o destinatário final fático, mas também o destinatário final econômico. Assim, o bem adquirido pela pessoa jurídica não pode ser reutilizado como insumo, matéria-prima ou ferramenta produtiva dentro de sua atividade empresarial.

Neste ponto, convém destacar que a aquisição de bens destinados à melhoria ou incremento da atividade empresarial, por configurar consumo intermediário, afasta a aplicação do CDC. Tal entendimento foi reafirmado no REsp nº 541.867/BA, no qual o STJ concluiu que bens adquiridos como instrumentos para a atividade fim de uma empresa não podem ser considerados objeto de uma relação de consumo.

Possibilidade de arrependimento em compras de grande volume: uma análise casuística

Assim, mesmo na hipótese de litígio envolvendo desistência de compra em canais B2B, é necessário avaliar o caso concreto. Caso fique demonstrado que a pessoa jurídica compradora destinou os bens adquiridos à sua atividade finalística, promovendo a intermediação econômica do produto ou serviço, ou que não ostente características de vulnerabilidade, a aplicação do artigo 49 do CDC poderá ser afastada.

Portanto, o fornecedor poderá suscitar a desconfiguração da qualidade de consumidor da parte adquirente como meio de resguardar seus interesses, recuperando equilíbrio na relação negocial. Especialmente em compras de grande volume realizadas por pessoas jurídicas de grande porte, em que a vulnerabilidade econômica e técnica é inexistente, a tese de exclusão do CDC poderá ser admitida.

Conclui-se que, em operações realizadas por meio de plataformas B2B, a caracterização da relação de consumo não deve ser definida apenas pelo conceito estrito de destinatário final, mas, sobretudo, pela análise da vulnerabilidade da pessoa jurídica. Especialmente em casos que envolvam desistência de compras de grande volume, o fornecedor poderá, com base no entendimento do STJ, afastar a incidência do CDC, desde que demonstrada a inexistência de vulnerabilidade da parte compradora e a destinação intermediária do bem adquirido.

Assim, não se tratando de destinatário final nos moldes econômico e jurídico, não será reconhecido à pessoa jurídica compradora o direito de arrependimento previsto no art. 49 do CDC. Tal posicionamento busca assegurar a segurança jurídica nas relações contratuais comerciais, promovendo um equilíbrio entre os interesses das partes envolvidas.

Marco Aurélio M. de Carvalho – Formado em 2006 pela Universidade Paulista – Unip, atuando na área Consumerista. Pós-Graduado em Direito e Processo do Trabalho pela Faculdade Anhanguera, concluído em 2014, e com especialização em Direito Médico pela Instituição de Ensino Direito Maior, concluído em 2021. OAB/SP OAB/SP 259.871

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