CívelProcon e Empresas: Quando a Multa Vira Questão de Justiça

13 de agosto de 2025
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O Brasil possui um dos sistemas mais avançados em matéria de proteção e defesa do consumidor, sendo o Procon (Programa de Proteção e Defesa do Consumidor) um dos órgãos administrativos mais conhecidos e atuantes nesse cenário. Entretanto, não raro, empresas que são autuadas pelo Procon questionam a legalidade das multas impostas, sobretudo quando detectam possíveis irregularidades no procedimento administrativo. Nessas situações, surge a possibilidade jurídica da ação anulatória.

O Procon é um órgão administrativo integrante do Sistema Nacional de Defesa do Consumidor, com a missão de orientar, fiscalizar e proteger os interesses dos consumidores conforme as diretrizes do Código de Defesa do Consumidor (Lei 8.078/1990). Sua atuação consiste, dentre outras funções, em receber e apurar denúncias, instaurar processos administrativos e aplicar sanções em caso de violação dos direitos do consumidor.

Quando um consumidor sente-se lesado e protocola uma reclamação junto ao Procon, é instaurado um procedimento administrativo para apurar a conduta da empresa. Durante esse processo, são observados princípios do contraditório e da ampla defesa, conforme determina o artigo 5º, incisos LIV e LV, da Constituição Federal.

O procedimento se desenvolve da seguinte forma:

Recebimento da reclamação: O Procon avalia se a situação narrada pelo consumidor apresenta fundamentos na legislação vigente.

Notificação da empresa: A empresa é notificada para apresentar esclarecimentos ou defesa.

Audiência de conciliação: Em algumas comarcas, há o agendamento de audiências de mediação, na tentativa de conciliar as partes.

Apuração dos fatos: São analisados documentos, depoimentos e eventuais diligências para a formação do convencimento da autoridade administrativa.

Decisão administrativa: Caso comprovada a violação à legislação consumerista, o Procon pode aplicar penalidades, como advertências ou multas.

O Procon possui competência para impor multas administrativas, que não são revertidas em favor do consumidor lesado, mas sim destinadas aos fundos públicos dos órgãos de defesa do consumidor — reforçando o caráter público e coletivo da sanção.

Conforme assegura o artigo 5º, inciso XXXV, da Constituição Federal de 1988:

XXXV – a lei não excluirá da apreciação do Poder Judiciário lesão ou ameaça a direito.

Isso significa que todos os atos administrativos, independentemente de sua origem — Executivo, Legislativo ou até mesmo o próprio Judiciário (no exercício de funções administrativas) — estão sujeitos ao controle judicial. Trata-se do princípio constitucional da inafastabilidade da jurisdição, garantindo ao administrado o acesso ao Poder Judiciário para questionar atos que atentem contra seus direitos ou que sejam revestidos de abusividade.

A renomada administrativista Maria Sylvia Zanella Di Pietro ensina:

(…) a esse respeito, expõe que não existe restrição quanto ao controle judicial dos atos vinculados, uma vez que, sendo todos os seus elementos já estabelecidos na lei, caberá ao Judiciário examinar a conformidade do ato com o ordenamento jurídico para decidir efetivamente se haverá nulidade ou não. (DI PIETRO, Maria Sylvia Zanella. Direito Administrativo. 25 ed. São Paulo: Atlas, 2012)

A positivação do Princípio da Inafastabilidade é a personificação desse controle, possibilitando que todo ato administrativo lesivo — inclusive os fundamentados em conceitos indeterminados, caso sejam abusivamente manejados — seja submetido ao crivo do Judiciário.

O artigo 37 da Constituição Federal determina que a Administração Pública deve observar os princípios da legalidade, impessoalidade, moralidade, publicidade e eficiência. Dessa forma, é essencial que todos os atos administrativos, incluindo aqueles praticados pelo Procon, estejam em estrita conformidade com tais princípios. Atos que os afrontem, especialmente por falta de legalidade ou eficiência, são considerados inválidos, ilícitos ou ilegais, e devem ser passíveis de controle judicial.

Segundo o artigo 5º, inciso XXXII, da Constituição Federal, cabe ao Estado promover, na forma da lei, a defesa do consumidor. Por isso, os órgãos de proteção — como o Procon — têm a missão de garantir a defesa dos direitos consumeristas, sempre zelando pela solução das demandas, preferencialmente de forma extrajudicial e motivando adequadamente as decisões administrativas.

Os tribunais brasileiros vêm reconhecendo a possibilidade de anulação das multas aplicadas pelo Procon, sobretudo quando não observados os princípios constitucionais da Administração Pública ou quando sanções se revelam desproporcionais, infundadas ou destituídas de motivação adequada:

ADMINISTRATIVO. ANULAÇÃO DE MULTA APLICADA PELO PROCON. CONTROVÉRSIA RESOLVIDA ENTRE O CONSUMIDOR E O FORNECEDOR. FATO EXTINTIVO DA RECLAMAÇÃO ADMINISTRATIVA. MULTA DESCABIDA. RECURSO PROVIDO. Havendo rápida solução administrativa da controvérsia entre o consumidor e o fornecedor, não há razão, salvo circunstâncias excepcionais, para ulterior aplicação de multa por parte do PROCON. (TJSC, AC n. 2010.009906-0, de Balneário Camboriú, rel. Des. Newton Janke , j. 14-02-2012).

APELAÇÃO – ANULAÇÃO DA MULTA IMPOSTA PELO PROCON – POSSIBILIDADE – RECURSO NÃO PROVIDO. Não havendo constatação de práticas abusivas perpetradas contra o consumidor, bem como correlação lógica entre o fato apurado e as condutas infrativas imputadas à autora, a anulação da multa aplicada é a medida que se impõe. (TJ-MG – AC: 10687130013679001 MG, Relator: Vanessa Verdolim Hudson Andrade, Data de Julgamento: 02/06/2015, Câmaras Cíveis / 1ª CÂMARA CÍVEL, Data de Publicação: 10/06/2015)

EMENTA: REMESSA NECESSÁRIA – AÇÃO DECLARATÓRIA DE NULIDADE DE ATO ADMINISTRATIVO – MULTA APLICADA PELO PROCON MUNICIPAL – AUSÊNCIA DE MOTIVAÇÃO CONGRUENTE NA DECISÃO ADMINISTRATIVA – PROCESSO ADMINISTRATIVO E MULTA – CANCELAMENTO – SENTENÇA MANTIDA. 1. O PROCON é órgão competente para fiscalizar as relações consumeristas e aplicar sanções administrativas, em decorrência de seu poder de polícia. Precedentes. 2. A declaração de possível nulidade do procedimento administrativo depende da demonstração de efetivos prejuízos à defesa do administrado. Precedentes. 3. A motivação do ato é necessária para validá-lo e exige a apreciação das questões de fato inerentes ao caso concreto. 4. Sentença mantida. (TJ-ES – Remessa Necessária: 00075419620128080024, Relator: TELEMACO ANTUNES DE ABREU FILHO, Data de Julgamento: 21/06/2016, TERCEIRA CÂMARA CÍVEL, Data de Publicação: 01/07/2016).

Mesmo diante de um procedimento administrativo legítimo, é possível que ocorram irregularidades, como cerceamento de defesa, vícios de forma ou inobservância de normas legais e constitucionais no trâmite do processo. Nessas situações, a empresa penalizada possui amparo constitucional e legal para buscar a tutela jurisdicional com o objetivo de anular a penalidade imposta.

A Ação Anulatória tem por objetivo discutir a validade da penalidade administrativa, especialmente quanto à legalidade e regularidade do ato administrativo.

Juridicamente, a ação pode ser fundamentada em diversas irregularidades, como:

  • Ausência de defesa ou contraditório;
  • Irregularidade na notificação;
  • Julgamento extra petita (fora do pedido);
  • Violação de princípios administrativos, tais como legalidade, motivação ou proporcionalidade;
  • Prescrição da pretensão punitiva administrativa, entre outros.

Assim, conclui-se que o Poder Judiciário pode, ao analisar o caso concreto, suspender a exigibilidade da multa (mediante concessão de liminar em tutela de urgência) e, ao final, declarar a nulidade do ato administrativo, caso reconheça irregularidade capaz de invalidar a sanção.

Considerações Finais

A atuação do Procon é fundamental para a efetivação do direito do consumidor, mas sua atividade deve sempre respeitar o devido processo legal e os direitos da empresa autuada. Havendo qualquer irregularidade na aplicação da penalidade administrativa, a empresa penalizada pode recorrer-se do Poder Judiciário, por meio de ação anulatória, buscando a reversão da decisão administrativa e a garantia de seus direitos constitucionais.

Aryel Aragão – Graduado em Direito pela UNIP (Universidade Paulista) em 2021. Atua com foco em Direito do Trabalho e Direito
para Startups. OAB/SP 465.897.

 

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