Na recuperação de crédito, a sucessão processual e a desconsideração da personalidade jurídica são ferramentas jurídicas importantes para garantir que o credor acesse o patrimônio necessário para satisfazer a dívida, especialmente quando a empresa devedora é dissolvida.
Ambas buscam a continuidade da execução, mas se aplicam de formas distintas, com efeitos e requisitos próprios.
Sucessão Processual: Conceito e Aplicação
A sucessão processual ocorre quando uma parte é substituída por outra na continuidade de um processo, sem que a ação seja extinta. No caso da dissolução de uma pessoa jurídica, a sucessão processual permite que os sócios sejam incluídos no polo passivo, com base na “morte” da empresa. Ou seja, embora a pessoa jurídica tenha sido extinta, os débitos permanecem e podem ser cobrados diretamente dos sócios.
O artigo 110 do Código de Processo Civil regula sobre a substituição processual, que, por analogia, se aplica à dissolução de uma pessoa jurídica. Não é necessário instaurar um incidente de desconsideração da personalidade jurídica, bastando comprovar a dissolução e a responsabilidade dos sócios pelos débitos da empresa.
Importante, no entanto, ponderar sobre a responsabilidade dos Sócios em sociedades Limitadas:
O Superior Tribunal de Justiça (STJ), no REsp nº 2.082.254/GO, consolidou o entendimento de que, em sociedades limitadas, os sócios não têm responsabilidade pessoal pelas dívidas da empresa após a integralização do capital social:
“4. A natureza da responsabilidade dos sócios (limitada ou ilimitada) determina a extensão dos efeitos, subjetivos e objetivos, a que estarão submetidos os sucessores. Precedente. 5. Tratando-se de sociedades limitadas, os sócios não respondem com seu patrimônio pessoal pelas dívidas titularizadas por aquelas após a integralização do capital social. A sucessão processual, portanto, dependerá da demonstração de existência de patrimônio líquido positivo e de sua efetiva distribuição entre os sócios. Precedente” (REsp n. 2.082.254/GO, relatora Ministra Nancy Andrighi, Terceira Turma, julgado em 12/9/2023, DJe de 15/9/2023)”
Portanto, em sociedades limitadas, a responsabilidade dos sócios é limitada ao valor do capital social integralizado. Isso significa que, uma vez que o capital social tenha sido completamente investido, os sócios não podem ser cobrados com seu patrimônio pessoal pelas dívidas da empresa.
Dessa forma, a sucessão processual somente será aplicável quando houver a devida comprovação de que o patrimônio líquido positivo da empresa foi efetivamente distribuído entre os sócios após a sua dissolução.
Desconsideração da Personalidade Jurídica: Conceito e Aplicação
Por outro lado, a desconsideração da personalidade jurídica é uma medida excepcional, prevista no artigo 50 do Código Civil e nos artigos 133 a 137 do Código de Processo Civil, que permite que o patrimônio pessoal dos sócios ou administradores de uma empresa seja atingido para satisfazer dívidas, quando há abuso da personalidade jurídica, como em casos de fraude ou confusão patrimonial.
Esse instituto é mais complexo, sendo necessário comprovar a utilização indevida da pessoa jurídica para fraudar credores ou ocultar bens. Diferente da sucessão processual, a desconsideração atinge diretamente o patrimônio dos sócios, desconstituindo a autonomia da empresa, quando se verifica a fraude ou abuso.
Diferenças Fundamentais entre Sucessão Processual e Desconsideração da Personalidade Jurídica
Embora ambos os institutos busquem a recuperação de crédito, eles têm objetivos, requisitos e efeitos diferentes:
I -Objetivo:
Sucessão Processual: Garantir a continuidade da execução da dívida, com os sócios assumindo a responsabilidade pela dívida da empresa dissolvida, sem necessidade de instauração de outro processo. Desconsideração da Personalidade Jurídica: Permitir que os bens pessoais dos sócios sejam atingidos diretamente, quando a pessoa jurídica é usada de forma ilícita (fraude, ocultação de bens).
II – Requisitos para Aplicação:
Sucessão Processual: Aplica-se quando a empresa é dissolvida, mas os sócios continuam sendo responsáveis pela dívida. A dissolução é tratada como a “morte” da pessoa jurídica, mas a obrigação permanece. Desconsideração da Personalidade Jurídica: Exige provas concretas de abuso da personalidade jurídica, como fraude ou confusão patrimonial. Não se aplica apenas pela dissolução irregular da empresa.
III – Procedimento:
Sucessão Processual: O procedimento é direto, podendo ser feito dentro da própria execução, com base na dissolução da pessoa jurídica. Desconsideração da Personalidade Jurídica: Exige um incidente processual específico, com a necessidade de provas de abuso. O processo é mais demorado e envolve uma decisão judicial sobre o comportamento dos sócios.
IV – Implicações na Recuperação de Crédito:
A escolha entre sucessão processual ou desconsideração da personalidade jurídica depende do caso concreto, especialmente da situação fática da empresa devedora.
A sucessão processual é mais adequada quando a empresa foi dissolvida sem indícios de fraude ou abuso, mas ainda há a necessidade de continuidade da execução, com os sócios assumindo a responsabilidade pela dívida dentro dos limites de sua responsabilidade que pose ser limitada ou ilimitada. Já a desconsideração da personalidade jurídica é aplicável em situações em que há indícios de fraude, má-fé ou abuso por parte dos sócios, permitindo que seus bens pessoais sejam diretamente atingidos, independentemente da natureza da responsabilidade (limitada ou ilimitada).
Conclusão:
Tanto a sucessão processual quanto a desconsideração da personalidade jurídica são mecanismos cruciais para a recuperação de crédito, mas aplicáveis em contextos distintos. A sucessão processual é uma solução mais ágil, permitindo a continuidade da execução quando a empresa é dissolvida, com os sócios assumindo a responsabilidade pelos débitos, sem grandes formalidades. Já a desconsideração da personalidade jurídica é mais complexa, exigindo a comprovação de fraude ou abuso, sendo mais adequada para situações em que a empresa foi utilizada de maneira indevida para prejudicar credores.
Aline Amorim Silveira – Advogada graduada pela UNISAL – Centro Universitário Salesiano de São Paulo (2021). Pós-graduada em Processo Civil pela PUC Minas e pós-graduanda em Licitações e Contratos Administrativos pela Legale Educacional. Atua no Contencioso Cível, com foco em demandas do Direito Civil. OAB/SP 476.846