A classificação de créditos em processos de recuperação judicial é um tema que suscita dúvidas e exige compreensão das nuances da Lei nº 11.101/2005 (LRF). Este artigo aborda como são classificados os créditos decorrentes de condenação em ação de indenização por danos materiais relacionada à ocorrência de acidente de trânsito, levando em consideração o crédito indenizatório principal e os honorários advocatícios sucumbenciais eventualmente arbitrados.
- Crédito Indenizatório Principal: Uma análise do fato gerador
O crédito principal decorrente de um acidente de trânsito tem sua natureza definida pela data do fato gerador, nos termos do artigo 49 da LRF.
Logo, se o sinistro ocorreu antes do pedido de recuperação judicial (RJ), o crédito é considerado concursal, submetendo-se ao procedimento recuperacional, mesmo que a condenação na demanda indenizatória tenha ocorrido posteriormente. Nesse caso, o valor habilitado deve ser atualizado monetariamente e acrescido de juros apenas até a data do pedido de recuperação judicial, em conformidade com o Art. 9º, inciso II, da LRF.
Por outro lado, na hipótese de o evento danoso acontecer depois do referido pleito, o crédito passa a ser assinalado como extraconcursal, deixando de se observar a mesma submissão ao Juízo da RJ, o qual só pode exercer o controle dos atos de constrição em processo independente.
- Honorários Advocatícios Sucumbenciais: Uma análise do arbitramento
Em contrapartida, os honorários advocatícios sucumbenciais possuem natureza autônoma em relação ao crédito indenizatório principal. Então, a definição de sua concursalidade ou extraconcursalidade depende da data em que são arbitrados judicialmente.
Observe o posicionamento do Superior Tribunal de Justiça (STJ) sobre o tema:
DIREITO EMPRESARIAL. RECUPERAÇÃO JUDICIAL. HONORÁRIOS ADVOCATÍCIOS SUCUMBENCIAIS. SENTENÇA POSTERIOR AO PEDIDO RECUPERACIONAL. NATUREZA EXTRACONCURSAL. NÃO SUJEIÇÃO AO PLANO DE RECUPERAÇÃO E A SEUS EFEITOS. 1. Os créditos constituídos depois de ter o devedor ingressado com o pedido de recuperação judicial estão excluídos do plano e de seus efeitos (art. 49, caput, da Lei n. 11.101/2005). 2. A Corte Especial do STJ, no julgamento do EAREsp 1255986/PR, decidiu que a sentença (ou o ato jurisdicional equivalente, na competência originária dos tribunais) é o ato processual que qualifica o nascedouro do direito à percepção dos honorários advocatícios sucumbenciais. 3. Em exegese lógica e sistemática, se a sentença que arbitrou os honorários sucumbenciais se deu posteriormente ao pedido de recuperação judicial, o crédito que dali emana, necessariamente, nascerá com natureza extraconcursal, já que, nos termos do art. 49, caput da Lei 11.101/05, sujeitam-se ao plano de soerguimento os créditos existentes na data do pedido de recuperação judicial, ainda que não vencidos, e não os posteriores. Por outro lado, se a sentença que arbitrou os honorários advocatícios for anterior ao pedido recuperacional, o crédito dali decorrente deverá ser tido como concursal, devendo ser habilitado e pago nos termos do plano de recuperação judicial. 4. Na hipótese, a sentença que fixou os honorários advocatícios foi prolatada após o pedido de recuperação judicial e, por conseguinte, em se tratando de crédito constituído posteriormente ao pleito recuperacional, tal verba não deverá se submeter aos seus efeitos, ressalvando-se o controle dos atos expropriatórios pelo juízo universal. 5. Recurso especial provido (STJ, REsp 1841960/SP, Ministra Relatora Nancy Andrighi, j. 12/02/2020).
Portanto, se a sentença que arbitrou os honorários for posterior ao pedido de RJ, o crédito é extraconcursal e não se sujeita aos seus efeitos, podendo a cobrança ser realizada pelas vias ordinárias. Por outro lado, sendo anterior ao mencionado pleito, tratar-se-á de crédito concursal a ser cobrado no próprio procedimento recuperacional.
Por todo o exposto, a partir de uma mesma sentença condenatória atinente a acidente de trânsito, é possível existir crédito indenizatório principal de natureza concursal e honorários advocatícios de sucumbência de caráter extraconcursal, sendo tal classificação fundamental para a gestão processual, seja com a promoção da necessária habilitação na Recuperação Judicial, seja com a distribuição de incidente de cumprimento de sentença para o início da fase executória, de modo a garantir a aplicação adequada da legislação e a eficácia das estratégias de cobrança.
Cynthia Prado Pousa – Graduada em Direito pela FACAMP (Faculdades de Campinas) em 2018 e pós-graduada em Compliance pelo IBCCRIM (Instituto Brasileiro de Ciências Criminais) em parceria com a Universidade de Coimbra em 2021. Atua na área cível com Recuperação de Crédito. OAB/SP 426.577