CívelO Instituto da Soma de Posse (Acessio Possessionis) na Usucapião

15 de setembro de 2025
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A usucapião é um modo originário de aquisição da propriedade e de outros direitos reais pela posse prolongada de um bem, observados os requisitos legais. Para que a usucapião se concretize, a lei exige um lapso temporal de posse, que varia conforme a modalidade (usucapião extraordinária, ordinária, especial urbana, especial rural, entre outras). É nesse ponto que a soma de posse se revela um instrumento jurídico de suma importância.

A soma de posse, juridicamente denominada accessio possessionis, é a faculdade que o possuidor atual tem de acrescentar à sua posse a posse de seu antecessor, desde que ambas as posses sejam contínuas e pacíficas, com as mesmas características e qualidades, e que haja um vínculo jurídico entre o sucessor e o antecessor.

Em termos práticos, significa que o tempo de posse exercido por uma pessoa sobre um imóvel pode ser somado ao tempo de posse de outra pessoa que a antecedeu na posse, para fins de completar o lapso temporal exigido pela lei para a usucapião.

O instituto da soma de posse encontra respaldo nos artigos 1.207 e 1.243 do Código Civil:

  • Art. 1.207 do Código Civil: “O sucessor universal continua de direito a posse do seu antecessor; e ao sucessor singular é facultado unir sua posse à do seu antecessor, para os efeitos legais.”
    • A sucessão universal ocorre tipicamente por herança (causa mortis), onde o herdeiro simplesmente “continua” a posse do falecido, com todas as suas qualidades e vícios. A união é compulsória.
    • A sucessão singular ocorre por ato inter vivos (compra e venda, doação, permuta), ou por legado (causa mortis). Nesse caso, a união das posses é uma faculdade do sucessor singular; ele pode optar por somar ou não. Se somar, assume a posse com as qualidades e eventuais vícios do antecessor.
  • Art. 1.243 do Código Civil: “O possuidor pode, para o fim de contar o tempo exigido pelos artigos antecedentes, acrescentar à sua posse a dos seus antecessores, contanto que todas sejam contínuas, pacíficas e, nos casos do art. 1.242, com justo título e boa-fé.”
    • Este artigo reafirma a possibilidade de soma para fins de usucapião, destacando os requisitos de continuidade e pacificidade, e adicionando os requisitos de justo título e boa-fé para a usucapião ordinária (Art. 1.242).

Para que a soma de posse seja válida e eficaz para fins de usucapião, alguns requisitos são indispensáveis, quais sejam:

  1. Homogeneidade da Posse (mesma natureza e qualidade): as posses a serem somadas devem ter as mesmas características essenciais, especialmente o animus domini (intenção de ter a coisa como sua), de forma contínua, pacífica e ininterrupta. Se a posse do antecessor era precária (ex: locatário, comodatário) ou clandestina, ela não pode ser somada à posse do sucessor com animus domini para fins de usucapião, a menos que haja uma interversão da posse comprovada e que o novo possuidor tenha invertido a natureza da posse de seu antecessor, passando a ter animus domini. O STJ já se manifestou no sentido de que os vícios da posse do antecessor se transmitem ao sucessor.
  2. Continuidade da Posse: não pode haver interrupção entre a posse do antecessor e a posse do sucessor. A posse deve ser exercida de forma ininterrupta, ainda que por possuidores diferentes. Isso significa que não pode haver abandono do imóvel entre uma posse e outra.
  3. Vínculo Jurídico entre as Posses: é fundamental que exista um nexo de causalidade, um liame jurídico, entre o possuidor atual e o(s) antecessor(es). Este vínculo não precisa ser um registro formal em cartório de imóveis, mas deve demonstrar a transferência da posse. Exemplos incluem:
    • Causa mortis (sucessão universal): Herança – a posse do falecido é transmitida automaticamente aos seus herdeiros.
    • Inter vivos (sucessão singular): contrato de compra e venda (ainda que de direitos possessórios), cessão de direitos, doação, permuta. Mesmo que o contrato se refira apenas à “posse” e não à “propriedade” (por não haver título de propriedade registrado), ele estabelece o vínculo necessário. É crucial que este documento comprove a transferência da posse, e não apenas de direitos sobre o imóvel.

A soma de posse é crucial em situações em que o tempo de posse de um único indivíduo não seria suficiente para preencher o requisito temporal da usucapião. Ela permite que famílias, por exemplo, somem a posse de gerações passadas, ou que compradores de “posses” em áreas não regularizadas possam complementar o tempo necessário para futuramente pleitear a propriedade via usucapião.

É válido frisar que a soma de posse permite somar apenas o tempo da posse anterior com suas qualidades. Se a posse anterior era viciada (ex.: violenta ou clandestina), o vício se transmite. Ademais, o sucessor que optar por somar a posse de seu antecessor assume também os vícios e a modalidade da posse do antecessor. Por exemplo, se a usucapião ordinária exige justo título e boa-fé, a posse somada do antecessor também deve ter esses requisitos, sob pena de não ser computada para essa modalidade.

O instituto narrado vem sendo devidamente validado nos julgamentos do Egrégio Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo, conforme colaciona-se a seguir:

Apelação cível. Ação de usucapião extraordinário. Sentença de improcedência. Autores alegam posse mansa e pacífica, sem oposição nem reinvindicação, somada a dos antecessores por mais de cinquenta anos, de forma ininterrupta, dos lotes indicados na inicial. Documentos juntados nos autos comprovam a cadeia de transferência dos lotes entre os antigos possuidores. Admitida a soma das posses. Aplicação do artigo 1243 do Código Civil. Fato dos autores não residirem no local, não é hábil a desqualificar a posse. Exercício de poderes inerentes à propriedade comprovado. Sentença reformada para julgar a ação procedente e declarar o domínio dos autores sobre o imóvel objeto da ação. Resultado. Recurso provido.”(TJ-SP -Apelação Cível: 1030277-31.2021.8.26.0071 Bauru, Relator: Edson Luiz de Queiróz, Data de Julgamento: 22/05/2024, 9ª Câmara de Direito Privado, Data de Publicação: 22/05/2024)

Usucapião extraordinário. Preliminar de não conhecimento do recurso afastada. Requisitos autorizadores de usucapião extraordinário que se encontram presentes. Incidência do artigo 1.238 do Código Civil. Possibilidade de soma da posse ao do antecessor, que restou caracterizada, assim como do aproveitamento do tempo de duração da ação para a consumação da prescrição aquisitiva. Enunciado nº 497, da V Jornada de Direito Civil. Sentença de procedência mantida. Verba honorária majorada. Preliminar rejeitada e recurso não provido.”(TJ-SP – AC: 00034751620128260366 SP 0003475-16.2012.8.26.0366, Relator: João Pazine Neto, Data de Julgamento: 06/07/2022, 3ª Câmara de Direito Privado, Data de Publicação:06/07/2022)

A correta aplicação da soma de posse exige uma análise rigorosa da cadeia possessória, dos documentos comprobatórios e das características de cada posse, sendo um ponto frequentemente debatido em processos de usucapião.

Amanda Bersi da Silva – Advogada formada pela PUC-Campinas em dezembro de 2021, com OAB ativa desde 07/03/2022 e atuação no contencioso cível. OAB/SP 470.141

 

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