A Emenda Constitucional nº 132/2023 e a Lei Complementar nº 214/2025 instituíram um novo modelo de tributação sobre o consumo no Brasil, com a criação do Imposto sobre Bens e Serviços (IBS) e da Contribuição sobre Bens e Serviços (CBS), em substituição a tributos anteriores. Assim, este artigo examina os reflexos da reforma tributária no direito imobiliário, especialmente nas operações de compra e venda, locação e incorporação, abordando mudanças no fato gerador, regimes de transição, redutores específicos, além de possíveis conflitos com o ITBI e desafios para incorporadoras, investidores e operadores do direito.
A Emenda Constitucional nº 132/2023, regulamentada pela Lei Complementar nº 214/2025, trouxe relevantes modificações no sistema tributário nacional, unificando tributos sobre o consumo e instituindo o Imposto sobre Bens e Serviços (IBS) e a Contribuição sobre Bens e Serviços (CBS), no modelo de Imposto sobre Valor Adicionado dual (IVA dual).
No setor imobiliário, de grande importância econômica e social, os reflexos são significativos, alcançando operações de compra e venda, locação, incorporação e administração de imóveis.
1.O Novo Sistema Tributário: IBS e CBS
Conforme dispõe o art. 156-A da Constituição Federal, incluído pela EC nº 132/2023, o IBS passa a ser de competência compartilhada entre Estados, Distrito Federal e Municípios, em substituição ao ICMS e ao ISS. A CBS, por sua vez, prevista no art. 195, V, da CF, é de competência da União e sucede o PIS, a Cofins e o IPI.
Para o setor imobiliário, que representa um pilar fundamental da economia e da sociedade brasileira, as implicações dessa mudança são profundas e abrangem um vasto espectro de operações, desde a compra e venda de imóveis até a locação, a incorporação e a administração de propriedades. A Lei Complementar nº 214/2025, prevendo a especificidade e da relevância desse mercado, fixou regras singulares. Uma das mais notáveis é a redução de 40% na base de cálculo das operações imobiliárias (art. 64, §1º), o que, na prática, significa que a alíquota efetiva incidente sobre essas transações será significativamente menor, girando em torno de 16% a 17%, em comparação com a alíquota cheia estimada do IVA dual.
2.Regimes de Transição e o RET
A magnitude de uma reforma tributária dessa envergadura exige uma transição cuidadosa e gradual, a fim de evitar choques abruptos na economia e no planejamento dos agentes econômicos. Nesse sentido, o art. 9º da EC nº 132/2023 estabelece um período de transição que se estenderá até 2033. Durante essa década, haverá uma coexistência dos tributos atuais com os novos, permitindo que as empresas e os contribuintes se adaptem progressivamente às novas regras.
Além disso, a LC nº 214/2025 manteve o Regime Especial de Tributação (RET), previsto originalmente na Lei nº 10.931/2004, para incorporações submetidas ao regime do patrimônio de afetação protocoladas até 31/12/2028 (art. 103 da LC nº 214/2025), com alíquotas reduzidas que variam de 2,08% a 0,53% — o que contribui para a viabilidade financeira e a atratividade de grandes empreendimentos imobiliários, minimizando os riscos fiscais inerentes a projetos de longo prazo.
3.Redutores Específicos: Social e de Ajuste
A reforma tributária, além de simplificar, buscou incorporar mecanismos que atendam a objetivos sociais e econômicos específicos. Nesse contexto, foram previstos redutores na base de cálculo do IBS e da CBS, que funcionam como verdadeiros instrumentos de estímulo e racionalização fiscal:
- Redutor social (art. 65 da LC nº 214/2025): desconto de R$ 100.000,00 para imóveis residenciais novos e R$ 30.000,00 para terrenos residenciais;
- Redutor de ajuste (art. 66 da LC nº 214/2025): autoriza a dedução do valor de aquisição do imóvel atualizado pelo IPCA, bem como despesas como ITBI, laudêmio e custas cartorárias.
4.Alteração do Fato Gerador
Bom dizer ainda que, a reforma trouxe uma inovação polêmica: o fato gerador do IBS e da CBS ocorrerá no momento da celebração do contrato (art. 27 da LC nº 214/2025), e não mais no pagamento ou no registro imobiliário.
Esse ponto gera possível conflito com o ITBI, cuja exigência está prevista no art. 156, II, da CF, e cuja base de cálculo é o valor venal do imóvel. O STF, no Tema 1.124 da repercussão geral (RE 796.376/SC), firmou entendimento de que o ITBI somente incide com a efetiva transmissão da propriedade, mediante registro no cartório de imóveis.
Surge, assim, um possível campo de litígios, caso Municípios tentem antecipar a cobrança do ITBI à fase contratual.
5.Repercussões na Locação de Imóveis
No tocante à locação:
- art. 72 da LC nº 214/2025: autoriza a dedução de até R$ 600,00 por mês, por imóvel, nas locações residenciais realizadas por pessoas físicas;
- art. 73 da LC nº 214/2025: prevê redução de 70% da alíquota nas locações residenciais;
- art. 74 da LC nº 214/2025: concede redução adicional de 40% da base de cálculo nas locações de curta duração (até 90 dias).
Embora os benefícios sejam relevantes, persiste a preocupação com o eventual repasse da carga tributária ao locatário.
6.Impactos Práticos e Desafios Jurídicos
Do ponto de vista jurídico-prático, destacam-se:
- planejamento tributário: necessidade de documentar custos de aquisição e despesas acessórias, para aproveitamento dos redutores;
- adaptação contábil: cumprimento das novas obrigações acessórias previstas nos arts. 92 a 98 da LC nº 214/2025;
- potenciais litígios: principalmente em relação à compatibilidade entre o novo fato gerador do IBS/CBS e o fato gerador constitucionalmente previsto para o ITBI.
A jurisprudência do STF e do STJ será determinante para pacificar tais conflitos. Além do já citado Tema 1.124 (STF), destaca-se também o REsp 1.937.821/SP (STJ, 2ª Turma, 2022), que reconheceu a impossibilidade de exigência do ITBI antes do registro imobiliário, reforçando o caráter definitivo do título translativo.
Conclusão
A reforma tributária representa um marco no direito imobiliário, ao simplificar tributos e instituir regimes específicos para o setor. Os redutores social e de ajuste configuram instrumentos de estímulo à moradia e de racionalização fiscal.
Contudo, a alteração do momento do fato gerador e a convivência com o ITBI municipal trazem riscos de conflitos interpretativos que certamente demandarão intervenção do Poder Judiciário.
Portanto, o cenário que se desenha é de oportunidades — com benefícios fiscais que podem fomentar o setor — e de desafios jurídicos, exigindo maior atenção dos profissionais de direito imobiliário e tributário para a adequada orientação de clientes e investidores.
Camila Melo Pereira – Advogada graduada em 2015 pela PUC Minas. Pós-graduada em Direito Imobiliário pela Escola Paulista de Direito (2017), MBA em Planejamento Tributário pela Faculdade Pitágoras (2020), e em Direito Digital pela Legale Educacional (2024). Atua como advogada Cívil. OAB/MG 162.853