CívelTerceirização e portaria virtual em condomínio

12 de novembro de 20180
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As restrições constantes das convenções coletivas aplicáveis aos condomínios, que proíbem a terceirização de serviços e impedem o monitoramento a distância (a denominada portaria virtual) têm gerado inúmeros questionamentos por síndicos e administradoras.

De acordo com as cláusulas convencionais, os condomínios não podem contratar prestadores de serviço para atuação na sua atividade fim, como porteiro, zelador, jardineiro e faxineiro, assim como não podem contratar monitoramento a distância, sob pena de multa de 7 vezes o valor do piso salarial por trabalhador prejudicado.

Com todo o respeito aos objetivos almejados pelas entidades sindicais subscritoras das referidas normas coletivas, as restrições ferem disposições constitucionais, em especial a livre iniciativa, a livre concorrência e o livre exercício de qualquer atividade econômica, consagrados no art. 170 da Constituição Federal, que tem a seguinte redação:

Art. 170. A ordem econômica, fundada na valorização do trabalho humano e na livre iniciativa, tem por fim assegurar a todos existência digna, conforme os ditames da justiça social, observados os seguintes princípios:

IV – livre concorrência;

VIII – busca do pleno emprego;

Parágrafo único. É assegurado a todos o livre exercício de qualquer atividade econômica, independentemente de autorização de órgãos públicos, salvo nos casos previstos em lei.

Em que pese essa afirmação, há decisões judiciais em todos os sentidos, ora declarando a legalidade das restrições convencionais, ora as reputando absolutamente ilegais e incompatíveis com a normatização constitucional.

Sobre o assunto, o C. Tribunal Superior do Trabalho, em voto da lavra da Ministra Kátia Magalhães Arruda, decidiu recentemente que a cláusula que proíbe a contratação de empregados terceirizados em condomínio é válida, ao argumento de que os sindicatos podem proibir a terceirização, evitando a “rotatividade dos empregados, possibilitando uma relação mais próxima e de maior confiança entre moradores e trabalhadores do condomínio”, nos seguintes termos:

“O cerne da demanda é o pedido de declaração da nulidade de regras constantes na convenção coletiva de trabalho, firmada entre os sindicatos profissional e patronal dos condomínios, na qual ficou estabelecido que as contratações para as funções de zelador, garagista, porteiro, trabalhador de serviços gerais e faxineiro fossem realizadas diretamente com os trabalhadores, sem a interferência de empresa interposta.

 ….

Quanto à pactuação de convenção coletiva de trabalho, a Carta Magna conferiu aos seres coletivos o poder excepcional de criação de normas jurídicas de cunho trabalhista, por meio de negociação coletiva (art. 7º, XXVI, da CF). Pelo princípio da adequação setorial negociada, as normas autônomas, criadas a partir da negociação entabulada pelos representantes das categorias profissional e patronal, podem prevalecer diante das regras estatais de proteção ao trabalho, desde que não avancem sobre direitos de indisponibilidade absoluta.

O arcabouço jurídico autoriza que os seres coletivos, por meio de negociação coletiva, estabeleçam normas que restrinjam ou mesmo proíbam a terceirização no âmbito das respectivas bases de representatividade. Não se trata de reserva de mercado, mas tão somente criação de normas regulatórias das relações de trabalho ocorridas entre as partes representadas pelos respectivos sindicatos.

Evidentemente, os efeitos das normas negociadas não transpassam os limites das respectivas bases de representatividades dos seres coletivos convenentes. No caso, ao contrário do que alegam os recorrentes, as normas firmadas pelos convenentes não adentram na questão do reconhecimento da validade de terceirização dos serviços de limpeza, portaria, garagista dentro dos condomínios. Mas apenas vedam que esses serviços sejam realizados por empresa interposta, no âmbito das relações ocorridas entre as categorias por eles representadas. O interesse da categoria representada pelos recorrentes não justifica e tão pouco autoriza a declaração de nulidade das normas. Consabido que o princípio da livre inciativa é garantia constitucional que se aplica tanto para a empresa como para o trabalho.

Nesse contexto, não afronta o princípio da livre iniciativa, a mera opção dos convenentes por certa modalidade legal de prestação de serviços, para aplicação restrita no âmbito das categorias representadas, sem imposição direta a terceiros. Também não pode ser acolhida a alegação de desrespeito à livre concorrência, uma vez que esse fundamento só tem pertinência nas circunstâncias em que a norma beneficia um indivíduo em detrimento de outro, não se aplicando para refutar interesses próprios da relação de trabalho.

No caso, as normas impugnadas têm aplicação apenas para regular o trabalho prestado no âmbito dos condomínios residenciais, nesse cenário, ao afastar a terceirização, os condomínios avaliaram e optaram por evitar a rotatividade dos empregados, possibilitando uma relação mais próxima e de maior confiança entre moradores e trabalhadores do condomínio, o que, evidentemente, resulta na maior segurança dos moradores e demais usuários, com redução do quadro de empregados e, por conseguinte, dos encargos trabalhistas e sociais, que, ao final, gera redução dos custos com contratação e treinamento de pessoal.

Entendo que a cláusula impugnada, que veda a terceirização na atividade fim dos condomínios, não se encontra eivada de vício que comporte a declaração de nulidade, uma vez que a negociação setorial (autonomia privada coletiva) permite que os seres coletivos negociem e celebrem instrumentos para regular as relações bilaterais de trabalho.” (TST – Processo n. -332-46.2012.5.10.0000 – Min. Kátia Arruda Guimarães – 11/06/18)

Em sentido oposto, a Seção de Dissídios Coletivos do C. TST, declarou a ilegalidade da cláusula que proíbe a terceirização em condomínios, sustentando que há “ingerência evidente na esfera de atuação dos sindicatos autores, implicando em restrição de mercado e atingindo a livre iniciativa empresarial para a consecução de um objetivo considerado regular e lícito, podendo até interferir na própria sobrevivência de empresas prestadores de serviços”:

Diante da necessidade de adequação da terceirização e, principalmente, de estabelecimento de garantias para o empregado terceirizado, foi editada a Súmula nº 331 do TST, que permite, em seu item III, que as atividades de vigilância, conservação e limpeza, bem como as atividades meio do tomador – desde que inexistentes a pessoalidade e a subordinação direta – sejam terceirizadas. As cláusulas 43 da CCT 2014/2014 e 44 da CCT 2015/2015, firmadas entre o Sindicato dos Empregados em Edifícios e Condomínios do Estado do Tocantins e o Sindicato das Empresas de Compra, Venda, Locação, Administração de Imóveis e Condomínios Residenciais e Comerciais do Estado de Tocantins, ao disporem que as atividades de zelador, garagista, porteiro, vigia, faxineiro e outras constituem atividades fim dos condomínios residenciais, proibindo a contratação de empregados terceirizados para a execução desses serviços, além de afastarem o permissivo previsto na Súmula nº 331 desta Corte, apresentam ingerência evidente na esfera de atuação dos Sindicatos autores, implicando em restrição de mercado e atingindo a livre iniciativa empresarial para a consecução de um objetivo considerado regular e lícito, podendo até interferir na própria sobrevivência das empresas prestadoras de serviços. Nesse contexto, a despeito do prestígio que deve ser conferido aos instrumentos negociais celebrados, de forma autônoma, pelas partes, por força do art. 7º, XXVI, da Constituição Federal, não há como reconhecer a validade de cláusulas que atingem categorias diversas daquelas representadas pelos Sindicatos convenentes; que elidem a possibilidade de terceirização prevista na Súmula nº 331 do TST; e que apresentam afronta ao art. 170, IV e parágrafo único, da Lei Maior. Dá-se provimento ao recurso ordinário para declarar a nulidade das cláusulas 43 da CCT 2014/2014 e 44 da CCT 2015/2015. Recurso ordinário conhecido e provido. (TST – Processo n. 121-39.2014.5.10.0000 – Min. Dora Maria da Costa – 12/03/18)

A referida decisão tomada pela SDC do C. TST não foi unânime, tendo sido vencidos os Ministros Maurício Godinho Delgado, Kátia Magalhães Arruda, Maria de Assis Calsing e Fernando Eizo Ono, que defendiam a legalidade da proibição.

A mesma controvérsia jurídica subsiste quanto à cláusula convencional que proíbe a contratação de empresa de monitoramento a distância (portaria virtual).

Por exemplo, em recente decisão proferida nos autos do processo sob o n. 0010264-45.2017.5.15.0129, a Juíza Dra. Rita de Cássia Scagliusi do Carmo concluiu que não há inconstitucionalidade alguma na apontada restrição convencional, consignando que a “regra pretendeu validamente proteger os integrantes da categoria, no bem maior que possuem, que é o emprego”, nos seguintes termos:

Rejeito a tese da inconstitucionalidade da norma coletiva, porque a regra pretendeu validamente proteger os integrantes da categoria, no bem maior que possuem, que é o emprego, de onde retiram o alimento e o sustento, em plena observância do que dispõem os arts.7º e 8º da Constituição da República.

Lembre-se que os direitos do trabalhador relacionados no aludido art.7º correspondem ao mínimo garantido, pois o próprio dispositivo prevê a possibilidade de reconhecimento de outros direitos “que visem à melhoria de sua condição social”. A via mais eficaz de se alcançar esse é intento é a da negociação coletiva.

Se não há vício de consentimento ou na manifestação da vontade, no exercício da autonomia privada coletiva e formulação das normas aplicáveis à categoria, inserida em instrumento firmado como corolário do processo periódico de negociação coletiva, não se cogita de violação do direito à propriedade ou à livre iniciativa, nem tampouco desrespeito ao princípio da legalidade, pois, espontaneamente, a categoria econômica, que não é hipossuficiente e é bem representada, decidiu por acordar naqueles termos.

Não se está aqui declarando a nulidade da terceirização, lato sensu, nem importa a discussão sobre ser atividade meio ou atividade fim aquela em que envolvidos os trabalhadores atingidos, tratando-se, sim, de fazer prevalecer a norma coletiva validamente celebrada.

Ademais, vem se mostrado ser anseio patronal, como regra, a prevalência do negociado sobre o legislado, com o objetivo de redução de direitos trabalhistas, pelo pressuposto de que o trabalhador deve ceder e se adequar às necessidades, limitações e interesses do empregador. Incoerente a negativa da prevalência do negociado, quando o caso é de ampliação dos direitos e, portanto, de observância do citado art.7º, “caput”, da Constituição da República.

Em que pese a extensa argumentação apresentada em defesa, este são os fundamentos suficientes para afastar a tese, sobretudo porque – reitere-se – não se trata de imposição legal ou judicial, mas de cumprimento de convenção estabelecida livremente entre os interessados. (Proc. n. 0010264-45.2017.5.15.0129 – DJ 22/08/17)

A referida decisão foi reformada pelo E. TRT da 15ª Região, que em voto proferido pela Desembargadora Regina Cecília Lizi, concluiu que a proibição em tela “limita o campo de atuação das empresas prestadoras de monitoramento por portaria virtual, indo de encontro a um dos princípios constitucionais básicos da atividade econômico, que é o da livre concorrência”:

A cláusula 34ª, já citada, ao proibir “a substituição de empregados de portaria por centrais terceirizadas de monitoramento de acesso” limita o campo de atuação das empresas prestadoras de monitoramento por portaria virtual, indo de encontro a um dos princípios constitucionais básicos da atividade econômica, que é o da livre concorrência, que encontra amparo no inciso IV do art. 170, o qual prevê a liberdade da iniciativa privada, e dispõe:

 …

Ademais, nos termos do artigo 1º, inciso IV da CF/88, é possível se concluir que o princípio da livre iniciativa envolve não só o livre exercício de qualquer atividade econômica e a liberdade de trabalho, mas também a liberdade de contrato, decorrendo daí a vedação a qualquer restrição, que não aquelas determinadas na lei, garantindo-se o direito, àqueles que atuam na atividade econômica, de competirem entre si.

Logo, as administrações dos condomínios devem ser livres para decidirem, elas próprias, qual a melhor forma de contratação dos serviços a serem prestados, seja com a contratação direta de seus empregados, seja com a utilização dos serviços de portaria virtual, prestados por terceiros.

Não é admissível que um instrumento negocial invada a seara dos contratos que podem ser firmados entre terceiros e os condomínios residenciais.

Some-se a isso, que a Lei nº. 12.529/2011, que estrutura o Sistema Brasileiro de Defesa da Concorrência e dispõe sobre a prevenção e a repressão às infrações contra a ordem econômica, orientada pelos ditames constitucionais de liberdade de iniciativa e da livre concorrência, dentre outros, dispôs em seu artigo 36, o seguinte:

 …

Assim, as cláusulas que estabelecem a proibição da substituição de empregados de portaria por centrais terceirizadas de monitoramento de acesso devem ser tidas como inconstitucionais, vez que ferem o princípio da livre iniciativa, preconizado pelo artigo 1º, inciso IV da CF/88. (TRT15 – Proc. Proc. n. 0010264-45.2017.5.15.0129 – Des. Regina Cecilia Lizi – 06/06/18)

Em suma, as cláusulas convencionais que proíbem a terceirização de serviços em condomínios para as funções de zelador, vigia, porteiro, jardineiro e faxineiro e impedem o monitoramento a distância (a denominada portaria virtual) ainda enfrentam controvérsias jurídicas sobre a sua legalidade, havendo decisões conflitantes a respeito dos temas.

Nada obstante, os levantamentos mais recentes apontam que, pelo menos no aspecto quantitativo, prevalecem as decisões judiciais que reputam inválidas as referidas restrições, fundadas na violação a livre iniciativa, a livre concorrência e o livre exercício de qualquer atividade econômica.

 

Autor(a): Fabio Izique Chebabi

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