De acordo com o artigo 833 do Código de Processo Civil, determinados valores são imunes à penhora, sendo essa uma tentativa do legislador e da lei processual de proteger o patrimônio dos devedores, visando garantir-lhes dignidade e impedir que sejam privados de meios essenciais de subsistência.
Alguns exemplos de valores impenhoráveis trazidos pelo artigo são: pensões, aposentadorias, salários e demais valores. Ocorre que, pelo inciso X do artigo supramencionado, considera-se que são impenhoráveis as quantias depositadas em caderneta de poupança, até o limite de 40 (quarenta) salários-mínimos – o que vem sendo relativizado especialmente no Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo.
Isso porque, conforme julgamento recente da 30ª Câmara de Direito Privado do Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo, nos autos do recurso de Agravo de Instrumento nº 2223954-57.2023.8.26.0000, foi admitida a relativização, no caso concreto, da regra de que valores depositados inferiores a 40 (quarenta) salários-mínimos seriam impenhoráveis.
Segundo o voto da Relatora Desembargadora Maria Lúcia Pizzotti, em que pese o dever de observar caso a caso, com a cautela necessária, não é possível afirmar que o texto da lei não pode ser flexibilizado, posto que não se pode atribuir efeito de impenhorabilidade automática às constrições realizadas no processo de execução.
Ela destaca que corrobora ao julgamento, ainda, o entendimento sedimentado pelo Colendo Superior Tribunal de Justiça no ano de 2023, que aduz ser possível relativizar a norma de impenhorabilidade prevista no artigo 833, inciso IV e §2º, do Código de Processo Civil, in verbis:
PROCESSUAL CIVIL. EMBARGOS DE DIVERGÊNCIA EM RECURSO ESPECIAL. EXECUÇÃO DE TÍTULO EXTRAJUDICIAL. PENHORA. PERCENTUAL DE VERBA SALARIAL. IMPENHORABILIDADE (ART. 833, IV e § 2º, CPC/2015). RELATIVIZAÇÃO. POSSIBILIDADE. CARÁTER EXCEPCIONAL. 1. O CPC de 2015 trata a impenhorabilidade como relativa, podendo ser mitigada à luz de um julgamento principio lógico, mediante a ponderação dos princípios da menor onerosidade para o devedor e da efetividade da execução para o credor, ambos informados pela dignidade da pessoa humana. 2. Admite-se a relativização da regra da impenhorabilidade das verbas de natureza salarial, independentemente da natureza da dívida a ser paga e do valor recebido pelo devedor, condicionada, apenas, a que a medida constritiva não comprometa a subsistência digna do devedor e de sua família. 3. Essa relativização reveste-se de caráter excepcional e só deve ser feita quando restarem inviabilizados outros meios executórios que possam garantir a efetividade da execução e desde que avaliado concretamente o impacto da constrição na subsistência digna do devedor e de seus familiares. 4. Ao permitir, como regra geral, a mitigação da impenhorabilidade quando o devedor receber valores que excedam a 50 salários mínimos, o § 2º do art. 833 do CPC não proíbe que haja ponderação da regra nas hipóteses de não excederem (EDcl nos EREsp n. 1.518.169/DF, relatora Ministra Nancy Andrighi, Corte Especial, DJe de 24.5.2019). 5. Embargos de divergência conhecidos e providos. (EREsp n. 1.874.222/DF, relator Ministro João Otávio de Noronha, Corte Especial, julgado em 19/4/2023, DJe de 24/5/2023.)
Não obstante a isso, recentemente o STJ decidiu, no julgamento do Tema Repetitivo 1235, que a impenhorabilidade de quantia inferior a 40 salários-mínimos (art. 833, X, do CPC) não pode ser reconhecida de ofício, isto é, não cabe ao juiz determinar, sem pedido da parte interessada, que o valor é impenhorável, de modo que cabe à parte executada arguir a matéria no primeiro momento em que lhe couber, sob pena de preclusão:
A impenhorabilidade de quantia inferior a 40 salários mínimos (art. 833, X, do CPC) não é matéria de ordem pública e não pode ser reconhecida de ofício pelo juiz, devendo ser arguida pelo executado no primeiro momento em que lhe couber falar nos autos ou em sede de embargos à execução ou impugnação ao cumprimento de sentença, sob pena de preclusão.
Assim sendo, caso o devedor não comprove que a conta bancária em que ocorreu a constrição é destinada exclusivamente a receber verbas impenhoráveis ou para fins de poupança, ocorrerá a relativização da norma do inciso X do artigo 833, conforme tese recente do STJ.
Amanda Bersi da Silva – Advogada formada pela PUC-Campinas em dezembro de 2021, com OAB ativa desde 07/03/2022 e atuação no contencioso cível. OAB/SP 470.141