CívelDa deserção nos Juizados Especiais Cíveis e o pedido de uniformização de interpretação de lei no tocante ao preparo recursal

6 de novembro de 2023
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Atualmente mais da metade das ações ajuizadas em nosso país seguem o rito dos Juizados Especiais Cíveis. Isso porque o procedimento é mais célere, facilitador do acesso à justiça e baseado nos princípios da econômica processual, informalidade, oralidade e com grande destaque para a conciliação.

O artigo 54 da Lei 9099/95 dispõe que: “O acesso ao Juizado Especial independerá, em primeiro grau de jurisdição, do pagamento de custas, taxas ou despesas”. Já o parágrafo único determina que, havendo recurso, haverá cobrança das custas e o preparo recursal, compreendo todas as despesas processuais, inclusive aquelas dispensadas em primeiro grau de jurisdição, ressalvada a hipótese de assistência judiciária gratuita.

Assim, com exceção dos beneficiários da Justiça Gratuita, para a interposição do Recurso Inominado a parte terá que recolher o preparo, compreendendo todas as despesas processuais, no entanto, diversamente do que ocorre na justiça comum, no qual o preparo do recurso de apelação é de 4% sobre o valor atribuído à causa, devidamente atualizado, no juizado especial o cálculo é mais complexo.

Ressalte-se que há diferenças no recolhimento em cada Estado brasileiro, pois cada Juizado Especial Cível possui regras não muito claras sobre o cálculo das custas judiciais, ocasionando muitas vezes na deserção recursal ante a impossibilidade de complementação do preparo.

Convém destacar que apesar do rito do Juizado Especial possuir legislação própria, utiliza o Código de Processo Civil de forma subsidiária. Em relação ao preparo recursal, a Lei 9.099/95 em seu artigo 42, §1º, determina que o preparo será feito, independentemente de intimação, nas 48 horas seguintes à interposição, sob pena de deserção. Já o CPC disciplina, no art. 1.007, que o preparo recursal será devidamente comprovado no momento da interposição do recurso, no entanto, apresenta hipóteses de complementação desse valor.

Ressalte, ainda, que o art. 42 da lei 9.099/95 é omisso e não disciplina acerca da hipótese de complementação do preparo, ou recolhimento em dobro e, desta forma, o correto seria a aplicação subsidiária das disposições do art. 1.007 do CPC.

Ocorre que, não há a aplicação subsidiária do CPC nos casos de insuficiência do preparo recursal e as decisões que julgam deserto o recurso utilizam o Enunciado 80 do FONAJE, que dispõe:

“Enunciado Cível nº 80 do Fonaje. O recurso Inominado será julgado deserto quando não houver o recolhimento integral do preparo e sua respectiva comprovação pela parte, no prazo de 48 horas, não admitida a complementação intempestiva (artigo 42, §1º, da Lei 9.099/1995) (nova redação — XII Encontro Maceió-AL)”.

Assim, as decisões judiciais que deixam de aplicar o CPC e se valem do Enunciado do FONAJE, causam imenso desequilíbrio, prejuízo e insegurança jurídica[1].

No entanto, temos vistos alguns julgados do TJSP que, corretamente, reverteram casos de deserções, conferindo prazo para a devida complementação do preparo de recurso inominado, em analogia ao artigo 1007 do CPC.

Nesse sentido, há decisões que entendem que a sentença deve conter de forma clara, o método e o valor do preparo; outras entendem pela aplicação por analogia do artigo 1007, §2º do CPC e há ainda precedentes que permitem a complementação em razão da ínfima diferença do preparo.

Em razão dessas decisões contrárias, foi ajuizado pedido de uniformização de interpretação de lei, o qual foi admitido pelo juiz Glariston Resende, da Turma de Uniformização dos Juizados Especiais do TJSP, determinando a suspensão de todos os processos que envolvam a matéria no Juizados Especiais de São Paulo.

A tese a ser definida é a seguinte: “Preparo recursal no âmbito dos Juizados Especiais — não recolhimento ou recolhimento insuficiente —, possibilidade de aplicação subsidiária do artigo 1.007 e parágrafos do Código de Processo Civil”[2].

A decisão monocrática, nos autos do processo 0000001-25.2023.8.26.9040, foi publicada no dia 19/04/2023 e, até a presente data, não houve julgamento, pois, em 06/09/2023, houve pedido de vista pelas Juízas Dra. Fátima Mazzo e Dra. Adriana Mendes, após as sustentações orais, do advogado representante da Recorrente e do amicus curiae.

Sendo assim, considerando que o tema ainda será julgado, continuaremos acompanhando e informando sobre os desdobramentos do julgamento do pedido de uniformização e a tese a ser definida sobre o tema do preparo recursal no âmbito dos Juizados Especiais Cíveis.

[1] https://www.migalhas.com.br/depeso/373390/desequilibrio-na-aplicacao-dos-enunciados-do-fonaje

[2] https://www.conjur.com.br/2023-abr-21/tj-sp-decide-uniformizacao-preparo-recursal-juizados

Priscila Camillo Dias  – Advogada graduada em 2002 pela PUC-Campinas, com especialização em Direito Contratual pela PUC-São Paulo. Sua área de atuação predominante é o Contencioso Cível. OAB/SP  236.933

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