Na data de 14 de julho do ano de 2023, foi promulgada pelo Governo Federal a Lei número 14.620/2023, a qual promoveu uma significativa alteração no ordenamento jurídico no tocante às normas vigentes concernentes aos títulos executivos extrajudiciais. Entre suas diversas disposições, a mencionada Lei nº 14.620/2023 passou a conferir status executivo aos documentos gerados ou atestados por meio eletrônico, os quais tenham sido validamente assinados mediante a utilização de qualquer modalidade de assinatura eletrônica legalmente prevista, dispensando, em situações em que a autenticidade das assinaturas das partes seja aferida por um fornecedor de serviços de assinatura, a exigência da presença de testemunhas para a sua validade.
No que diz respeito especificamente aos documentos assinados por meios eletrônicos, o entendimento jurisprudencial até então prevalecente estabelecia que somente os contratos firmados com determinadas modalidades de assinaturas eletrônicas (ou seja, utilizando certificados digitais emitidos sob o escopo da Infraestrutura de Chaves Públicas Brasileira – ICP-Brasil, conforme regulamentado pela Medida Provisória nº 2.200-2/2001) seriam passíveis de constituir títulos executivos extrajudiciais. Essa interpretação partia do pressuposto de que tais contratos englobavam obrigações determinadas, líquidas e prontamente exigíveis. Além disso, a jurisprudência sedimentou o entendimento de que, mesmo na ausência das duas testemunhas, esses contratos firmados com o uso de certificados digitais mantinham sua eficácia executiva. Essa conclusão se baseava na noção de que a legislação brasileira estabelece que a certificação por meio da ICP-Brasil assegura a autenticidade, a integridade e a validade jurídica dos contratos eletrônicos, de forma a conferir à ICP-Brasil um papel análogo ao das testemunhas nos contratos celebrados de forma física, que é o de comprovar a autenticação das partes e sua concordância com os termos contratuais.
Quanto aos contratos assinados mediante o emprego de outras formas de assinaturas eletrônicas – que não se enquadram nos certificados digitais emitidos sob a égide da ICP-Brasil –, essa questão era objeto de controvérsia no âmbito do Poder Judiciário. A interpretação majoritária até então sustentava que esses contratos, ainda que assinados eletronicamente pelas partes e duas testemunhas, poderiam ser válidos e eficazes, porém careceriam de certeza, exigibilidade e, portanto, não seriam dotados de imediata força executiva pelas cortes judiciais brasileiras.
A Lei nº 14.620/2023 introduziu alterações no ordenamento jurídico em duas vertentes relevantes:
- a) Eliminou a obrigatoriedade da presença de duas testemunhas para que um documento eletrônico assinado pelas partes possua status executivo, nas situações em que a autenticidade das assinaturas apostas pelas partes seja comprovada pelo provedor de serviços de assinatura; e
- b) Revogou o entendimento jurisprudencial de que apenas os contratos firmados por meio de certificados digitais emitidos sob o âmbito da ICP-Brasil constituiriam títulos executivos extrajudiciais (seja com ou sem a assinatura de testemunhas), viabilizando, assim, a utilização de qualquer modalidade de assinatura eletrônica regulamentada por lei, sem prejudicar a eficácia executiva do título.
Em virtude da promulgação da Lei nº 14.620/2023, as discussões judiciais supracitadas tendem a perder substância, embora possíveis novos debates possam surgir a respeito da regulamentação minuciosa das modalidades de assinaturas eletrônicas e do papel desempenhado pelo fornecedor de serviços de assinatura na análise da autenticidade das assinaturas presentes em documentos gerados ou atestados por meio eletrônico.
Natalya E. S. Oliveira – Graduada em direito pela Faculdade Anhanguera de Campinas – em 2019. Pós-graduação em Direito Contratual Aplicado pela Pontifícia Universidade Católica de Minas Gerais – PUCMINAS, em 2023. Atuação predominante na área cível. OAB/SP 451.068